quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Banco do Brasil em Guarapuava completa 60 anos


Guarapuava dos Anos 50 - Reminiscências
Guarapuava na lente de José Ribeiro da Cruz Filho, funcionário do Banco do Brasil em 1953. 
A cidade de Guarapuava, no Centro Oeste paranaense, passou a fazer parte da minha existência a partir de julho de 1953, precisamente no dia 14, aos vinte anos de idade, quando ali cheguei designado pelo Banco do Brasil para trabalhar na agência local, após aprovação em concurso público de âmbito nacional
.
Residira sempre em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, cidade fundada em 1843 e colonizada por imigrantes italianos e, principalmente, portugueses e alemães, dos quais sou descendente. Os alemães, que eram maioria e originários da Região da Bavária, ali chegaram, naquela época, para trabalharem na Fazenda do Córrego Seco, pertencente à Família Imperial do Brasil, que deu origem à cidade de Petrópolis.

Assustava-me um pouco a perspectiva de viver em Guarapuava, de vez que não dispunha de informações sobre a cidade e suas condições de higiene e saúde, hospedagem, alimentação, usos e costumes da população etc., ponderada, ainda a circunstância de que se situava a dois dias de viagem de Petrópolis, utilizando transporte aéreo e rodoviário. O telegrafo era ali op único meio de comunicação e um telegrama demorava em média de 3 a 5 dias para chegar ao destinatário. Inexistia telefone em Guarapuava e mesmo em outras cidades onde havia esse serviço o funcionamento era precário.
Significava, ademais, distanciar-me da família, deixar amigos do tempo do colégio, os conhecidos dos bailes e dos jogos de futebol, e esgotava-se também a fase dos cursos noturnos, que freqüentava desde os 11 anos de idade quando terminara o Curso Primário.

Findava uma fase da minha vida e disso tinha consciência, pois embora jovem, segundo os atuais padrões de avaliação, as circunstâncias da época faziam com que moças e rapazes assumissem a condição de adultos muito cedo.
Durante a viagem e até chegar à Guarapuava, cerca das 18horas do dia 14/07/1953, na minha mente persistia a lembrança, as imagens do passado e das pessoas amigas e queridas e, ao mesmo tempo, uma certa expectativa e apreensão sobre o meu futuro imediato e ao ambiente em que teria de viver dali em diante.
 

Chegando a cidade, solicitei ao motorista do microônibus Ponta Grossa-Guarapuava que deixasse no Banco do Brasil, meu único ponto de referência. Anoitecera, desembarquei com duas malas repletas de coisas de uso pessoal, que carregava. Estava muito empoeirado, sentia frio (na véspera havia geado), a alimentação fora precária durante a viagem e o cansaço maior que o apetite. Fiquei ali, parado na calçada do Banco, tentando entender onde me encontrava e assistindo através da porta de vidro, os funcionários trabalhando no interior da agência. Externamente o local estava deserto.
Subitamente, alguém dentro do Banco percebeu que eu os observava e tive recepção calorosa. O gerente extremamente gentil levou-me em seu carro para o Hotel Central e, naquele momento, começaram a se desfazer as minhas dúvidas e apreensões, conforme se verá a seguir.
A agência fora inaugurada cerca de um ano antes, em 1952, e possuía um pequeno número de funcionários, não mais do que uns 15 no total e carecia de vários serviços, que eram implementados à medida que chegavam novos escriturários.
Existia uma grande solidariedade entre os funcionários, a maioria solteiros, todos oriundos de outras cidades, sob a liderança suavemente enérgica do gerente Sr. Raul dos Santos Costa, que nos orientava como se fosse um irmão mais velho e obtinha do grupo colaboração integral, em largos horários de trabalho.
Comecei então, a integrar-me à população local. A cada dia conhecia novas pessoas da cidade e começaram rapidamente a se desfazerem as preocupações que antecederam minha chegada, pois havia uma sincera vontade de todos em deixar-me à vontade, bem como a outros funcionários recém chegados. Nunca percebi qualquer reserva mental, jamais fui tratado como forasteiro e, em qualquer situação, as conversas eram francas e cordiais, todas com senso de humor próprio das pessoas simples e doa índole, sérias e autênticas no modo de ser.
O clima frio não me desagradava, pois Petrópolis também tinha períodos de baixa temperatura. A alimentação farta e saudável, a população simpática a qual fui me afeiçoando, os amiudados convites para festas de casamento, aniversário etc, bem como bailes no Clube Guaira e no guairacá e o relacionamento com outros jovens e moças, criavam uma teia gratificante que ajudava a suportar a distância da família.
Não havia televisão, vídeo e nenhuma forma de diversão áudio visual, que são coisas modernas. Aos domingos o cinema local, quando possível, exibia um filme a noite (nos outros dias da semana não havia sessões) e a tarde ouvíamos no rádio a transmissão dos jogos de futebol, enquanto jogávamos cartas (buraco) no Bar do Sautchuk.
É de se registrar a ausência de alternativas de lazer, o que fazia com que as pessoas promovessem freqüentes reuniões sociais em suas casas, estreitando os vínculos entre si e propiciando a existência de uma sociedade coesa, embora não muito numera, a qual fomos admitidos com naturalidade.
As construções na cidade, residenciais ou comerciais eram térreas, quase todas em madeira, poucas ostentavam um segundo piso como o Hotel Central (do Sr. João Grande) também em madeira. As ruas não tinham calçamento, exceto um pequeno trecho, em pedra, junto a Agência dos Correios e Telégrafos.
A principal rua se constituía na continuação natural da estrada de rodagem, chamada estratégica, que passava pelo centro da cidade e seguia no rumo de Foz do Iguaçu. Nela se localizava algum comércio, o Clube guaira, a farmácia, o Banco do Brasil, tendo ao lado a loja das Casas Pernambucanas, o Bar América, mais adiante o prédio dos Correios etc.

Havia intenso trânsito de caminhões no local, de modo que precisávamos limpar, várias ao dia o balcão, as mesas de trabalho e as máquinas de escrever, calcular e de somar, por causa da poeira vermelha que adentrava a agência quando os veículos passavam, mormente se ventasse. Lavávamos as mãos e sacudíamos a camisa com freqüência, para reduzir o pó nos papéis e no dinheiro que manuseávamos. Na época das chuvas usavam-se botas, de vez que nas ruas forma-se espessa e escorregadia camada de lama.
Os clientes do Banco deixavam seus cavalos, charretes, carroças ou jipes (existiam poucos automóveis) junto à calçada da agência durante o atendimento.

Trabalhávamos em média 11 horas por dia de segunda a sexta-feira e, aos sábados, durante 6 horas, em média, com expediente para o público de 9 às 11 horas.A precária energia elétrica obrigava-nos à noite, a trabalhar com o auxilio de candeeiros, para ampliar a luminosidade. Não existiam, ainda, máquinas elétricas de escrever, de calcular ou de somar, todas eram manuais e as cópias dos documentos se faziam com o uso de folhas de papel carbono. As cópias xerox foram inventadas alguns anos mais tarde.

Na condição de único funcionário da Carteira de Crédito Agrícola, cabia-me atuar em todas as etapas dos serviços nessa área, inclusive ajudando e orientando as pessoas que fossem a Agência na busca de financiamento para suas atividades agrícolas ou pecuárias.

Trabalhávamos muito e, às vezes até mesmo aos domingos atendíamos clientes, de passagem na cidade e que se dirigiam para suas fazendas distantes. Eles nos procuravam no Hotel ou no Bar do Sautchuk para não terem de retornar a cidade na semana seguinte, despendendo um dia útil. Autorizados pelo gerente, abríamos parcialmente uma porta do Banco,

resolvíamos o assunto do cliente (exceto movimento de caixa, isto é, pagamento ou recebimento) e retornávamos ao Hotel duas ou três horas depois.
A jurisdição da agência em Guarapuava cobria uma extensa área compreendendo as localidades de Laranjeiras do Sul, Pato Branco, Cascavel, Campo Mourão, etc, limitada ao norte pela Agência em Maringá, e por Irati e Ponta Grossa de um lado e na outra parte pela filial de Foz do Iguaçu.
 

Percebíamos que a cidade progredia, a produção agrícola e pecuária dos sítios e fazendas aumentava beneficiando toda a população, resultado, em grande parte, do trabalho pioneiro do Banco na disseminação de crédito, apoiando atividades produtivas. Em pouco tempo atingíamos 300 contratos na Carteira, a maioria para pessoas que jamais tiveram qualquer financiamento ou relacionamento bancário e, o mais importante, sem ocorrências de inadimplência, por menor que fosse, nas amortizações parceladas pelos mutuários.
 

Embora assoberbados pelo aumento do volume de serviços, que se refletia exponencialmente em outros setores da Agência (cadastro, conta-corrente, cobrança etc.), dispensávamos idêntico tratamento a todos os que buscassem a assistência do Banco, grandes ou pequenos proprietários, e jamais recusávamos receber e estudar pedidos de empréstimo de novos clientes.
Sentíamo-nos parte do processo de melhoria geral e, em particular, do padrão de vida das pessoas, muitas delas clientes que nos confidenciavam quanto haviam crescido suas lavouras ou rebanhos e, conseqüentemente, aumentando sua renda.


Lembro-me de vários episódios que marcaram essa convivência, mas dois deles se destacam na minha lembrança. A Cooperativa Agrária de Guarapuava, constituída por cerca de 500 famílias, mantinha com o Banco seis contratos de financiamento de suas atividades agrícolas e pecuárias, quando firmou o sétimo para cultivo de trigo, cultura pioneira na região.
A execução desse contrato seguiu dentro das melhores expectativas e prenunciava-se uma excelente safra de trigo, que deixaria um bom resultado financeiro para a Cooperativa que dele muito necessitava, para quitar dividas em atraso.


Ao ter inicio a colheita (com o trigo sendo empilhado no campo enquanto os caminhões conduziam o produto para os celeiros), começou a chover obrigando que grande parte do trigo fosse protegido com coberturas, na expectativa de que em breve a chuva cessaria e seria reiniciada a colheita. Lamentavelmente, choveu durante 15 dias estragando quase todo o produto sob as lonas.
O fracasso dessa colheita trouxe sérias dificuldades para a Cooperativa, que teve acrescido a seus débitos anteriores o valor do contrato de financiamento do trigo que se tornara impagável.


Foi muito triste assistir as pessoas chegarem à agência, em busca de uma ajuda para o seu problema, algumas sem saberem se expressar em português, com as mãos ásperas do trabalho no campo, modestamente vestidas, que não conseguiam esconder a emoção pela perda e, também, com vergonha de não poderem saldar seus compromissos e, ainda terem de apelar para a continuidade da assistência do Banco, quando nada mais possuíam para oferecer em garantia.


A dificuldade foi equacionada, com a compreensão da direção do Banco e a adoção de providências administrativas no âmbito da Cooperativa, que pode prosseguir no seu trabalho. Não se apagou, porém, da minha retina aquele episódio em que pessoas adultas se envergonhavam por que não podiam cumprir seus compromissos, por circunstâncias alheias as suas vontades.
A segunda ocorrência que se destaca na minha memória foi, pessoalmente muito gratificante. Cada um dos agricultores ou pecuaristas que se tornava nosso cliente, ao fim de algum tempo tinha sua própria história sobre esse relacionamento, como começara etc. Alguns foram procurar o Banco para obter empréstimo ao verem as melhorias que um vizinho conseguiu realizar na própria fazenda, com o financiamento do Banco; outros melhoraram o plantel, adquirindo novos animais. A grande maioria, entretanto contava que aumentou e/ou diversificou a área cultivada, seus rendimentos cresceram e foram reinvestidos, expandindo mais a produção.


Essa era a situação existente, quando fui transferido para o Rio de Janeiro e deveria ser desligado da agência em breve, pois logo se apresentou o meu substituto. Cabia-me transferir-lhe os serviços da Carteira e apresentar o novo funcionário aos clientes, como de praxe.
Os clientes, de um modo geral, muito simpáticos, lamentavam a minha próxima saída, diziam que esperavam que eu voltasse a Guarapuava e coisas do gênero, e alguns habilmente procuravam saber como ficaria o serviço. Observei, porém, que estes deixavam transparecer uma certa preocupação sobre os negócios com o Banco por causa da transferência e a todos tranqüilizei, esclarecendo que não fizeram mais do que minha obrigação, mas precisava ficar mais perto da minha família e tudo continuaria da mesma maneira e o meu substituto daria continuidade ao trabalho etc.
Diariamente, durante o atendimento, despedia-me de alguns clientes, a medida em que compareciam ao Banco, até que um deles, que experimentara um grande progresso em suas lavouras, pessoa extremamente simples, após as minhas explicações sobre a transferência, disse, mais ou menos o seguinte: “eu não estou preocupado apenas com a minha lavoura e o meu empréstimo, mas também triste pelo amigo que vai partir e não mais vou ver”. Ele estava de fato emocionado o que notei olhando fixamente para sua face e, em particular, para os olhos.
Percebi, aquele momento por causa desse cliente, certamente mais emotivo do que os demais, que a impessoalidade, o respeito, a urbanidade, a paciência e o interesse profissional que procurei dispensar a todos, retornava sob a forma de consideração ou sincera amizade de vários deles, o que para mim ficou claro ao recordar as palavras simpáticas que me dirigiam na despedida, apesar das minhas s falhas, que noção devem ter sido poucas.


Recordo-me de outros episódios acontecidos na ocasião, alguns engraçados outros alegres, etc, mas esses dois, o relacionado com a frustração da safra de trigo da Cooperativa Agrária e o ocorrido entre mim e um cliente na minha despedida, ilustram com perfeição os valores, o caráter, o sentimento e o comportamento das pessoas que prevaleciam e eram cultivados, na época.
Apesar de ser sido conquistado pelas pessoas da cidade, ali não podia ficar indefinidamente, pois era minha obrigação retornar para um local mais próximo de Petrópolis, onde residiam meus pais, para assisti-los em qualquer eventualidade.
 

No caminho de volta, no microônibus Guarapuva-Ponta Grossa e, depois no avião, sonhava com o momento de encontrar minha família, imaginava como deveria ser trabalhar na Direção Geral, no rio de Janeiro, e residir nessa grande cidade, o que me causava uma certa preocupação.
 

Recordava também e sorria intimamente dos tolos temores e apreensões que tive, cerca de um ano antes, quanto viajei para Guarapuava, os quais se revelaram infundados, e agora já começava a sentir uma pontinha de saudades da cidade...
 

Enfim, cheguei a Petrópolis! Despertei das divagações! Retornei a região onde nasci! E outros caminhos tive de percorrer, na aventura que é Viver.
Outubro de 2005
José Ribeiro da Cruz Filho



 
Dari M. Araújo, Dulci Rocha Araújo, Humberto Mano Sá,
Raulino Gabriel de Cordova, Edson José Sanches,
clientes da agência, na festa de 25 anos.
Algumas das Senhoras presentes a festa de 25 anos da Agência
Irnak Scarpelli, representando o Diretor da Região, 
Rubens Laurindo de Almeida, Silvio Madalozzo, 
Enir Adá Silveira, João Molliani (clientes da agência),
Leonidas Xavier da Silva, Mathias Leh, 
presidente da Cooperativa Agrária, 
marcaram presença na festa de 25 anos da Agência.
Nos 25 anos da agência do BB: Vladislau José Tomczik, 
Jonair Carneiro de Souza, Aj. da Crege, Luiz Carlos dos Santos, 
gerente, Leonel Farah,diretor do Jornal Esquema Oeste,
Décio Rene Penha e Daniel Gonçalves Cardoso, 
funcionários do BB e Dalmo Tesch, subgerente

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